HOMENAGEM AO PROFESSOR
TAJÚ
(Por Alberto Lote
Tcheco, in Jornal “Noticias”, 18/3/2016)
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Professor Tajú em plena aula na sua Escola Secundária Noroeste 2, na Cidade de Maputo |
NESTE preciso momento de
arranque de aulas, num novo ano que se deseja melhor que o anterior tenebroso
devido aos pesados “chumbos” por razões em diagnóstico (entre a culpabilidade
dos estudantes, deficiências ou má tramitação/divulgação do novo regulamento de
avaliação ou um outro vírus desconhecido), todas as atenções se centram nos
três elementos principais do processo de educação: (1) o aluno, atemorizado
pelos fracassos desusados do ano transacto; (2) o professor, sacrificado e
negativado por baixo e por cima pelos maus resultados obtidos; e (3) o gestor,
dividido em Director da escola, responsabilizado e pressionado a gerar milagres
universais, e o ministro, atónico e não desmotivado pela traiçoeira casca de
banana que fez tropeçar um esforço pomposo de arranque inicial do seu mandato.
Entre estes, o professor
ocupa um lugar preferencial e de privilégio pois é ele que medeia os outros e
que, com métodos às dificuldades que o circundam e o desmotivam, pode reverter
a situação, desde que, pelo menos, o permitam, deixando-o livre de tomar
iniciativas e criativas medidas metodológicas, em vez de o cercar de
policiamento como se fosse um marginal, deixar de seduzi-lo para resultados
estatisticamente políticos (falsos) em troca de humilhantes privilégios como de
direito a horas extraordinárias, evitar transferências punitivas, nomeação a
correcções pagáveis e a outras formas substitutas de um cabaz de “ouvir dizer”
e que nunca o cheirou.
É neste ambiente em que,
como a esperança de melhores dias nunca morre, se recorre ao passado para se
ver alguma luz que permite “aguentar” a vida e pesadamente continuar a marcha,
mantendo o processo de ensino e aprendizagem sempre possível. Nesse passado
motivante busca-se a inspiração nos professores inspiradores que, na nossa
soberana história educativa, têm de ser à lupa para os identificar e nomear.
Podemos encontrar muitos que cumprem devidamente os seus deveres: pontuais e
assíduos; que preparam bem as suas aulas e se munem dos respectivos planos de
aulas nas salas, o que satisfaz os gestores; que corrigem e entregam os dados
dentro dos prazos estabelecidos, o que estimula o orgulho daqueles; se mantêm
disciplinados (silenciosos) nas reuniões de balanço e outros encontros, o que
dá esperança de mais voos directivos àqueles; que se servem sem reclamar dos
ausentes ou parcos materiais didácticos disponíveis para ele e para os
estudantes, o que tranquiliza aqueles; e aguardam que, num golpe de sorte,
possam ser repescados para alguma responsabilidade e serviço noutro escalão
hierárquico (distrito, província/cidade e ministério), pois a escola é o
reservatório de quadros onde os outros poderes fazem a sua caça grossa e
frutífera.
Ora, o cenário
pedagógico comportamental acima descrito e que caracteriza o que, entre nós, é
tido como ideal nada devia ter, pois aquele “bom” comportamento é o devido que
se pode esperar de um contrato são entre empregado (professor) e o seu
empregador (Governo) quando este cumprir com as suas obrigações para com o
empregado. Portanto, o cumprimento das obrigações contratuais devia o Estado
normar e nisso não há nada de especial que possa ser destacado, mas no nosso
sistema se tiver que haver premiados, em vez de se premiar aquele que cumpre
devidamente as suas obrigações, chega-se ao ponto de se premiar aqueles que
mais cumprem de um universo que não realiza totalmente as suas obrigações. Isto
faz com que se premeie o menos faltoso entre muitos faltosos porque alguém tem
de o ser; premeia-se o mais estatisticamente numerado porque não se usam outros
elementos de análise de desempenho; aprecia-se como “bom” e disciplinado aquele
que menos ou nenhuma crítica faz e nada exige; promove-se o “lambe-botas” que
somente satisfaz os apetites vaidosos e orgulhosos do dirigente que
provavelmente também tenha sido nomeado por este “desempenho”, etc. Este estado
de avaliação de desempenho do pessoal é revelador de um mal sistémico de todo o
edifício sociopedagógico e a distinção do melhor professor dentro deste
paradigma é constrangedor, pois as verdadeiras qualidades de um “excelente” professor
podem ser descartadas e até prejudiciais a quem os mereça.
Na saudade estimulante
pelo grande professor, muitos da geração colonial referem-se a professores
desse tempo, docentes que, pela sua entrega na educação escolar, se tornaram
líderes aos quais os pais e encarregado de educação confiavam os seus filhos,
não por serem incapazes de os orientar, mas por confiança pois esses
professores já eram uma excelente referência social e educativa.
Nos nossos dias e em
especial nas cidades este modelo-líder de professor tende a ser apagado por
várias vicissitudes e quando reconhecemos algum no nosso meio é estimulante,
motivador e esperançoso e tal figura deve ser, qual espécie rara e em extinção,
deve ser divulgada e protegida sob pena de se desestruturar o nosso edifício
pedagógico num Moçambique soberano. Na história educativa pós-independente, uma
rara personalidade merecedora desta qualificação existe e merece a atenção
desta peça. O seu nome, para muitos que o conhecem, não lhes passará
indiferente e muitos menos sem alguma paixão.
Trata-se, esta figura
professoral, do professor Tajú da Escola Secundária Noroeste 2, do Distrito
Municipal KaMaxaquene, na cidade de Maputo. Para milhares de estudantes que
passaram pelas suas mãos e desta escola, para as gerações de residentes
circunvizinhas, para as centenas de professores que foram seus colegas, para as
dezenas de directores da escola e gestores da Educação, agora espalhados pelo
país inteiro, já pais e avôs, realizando variadas actividades e assumindo várias
e altas responsabilidades, a menção deste nome, Tajú, é suficiente para
despertar sentimentos variados, provocar uma reflexão sobre a sua vida
estudantil, sentir a admiração por uma vocação educativa, de se sentirem
orgulhosos de terem partilhado a docência com esta figura, de terem dirigido
uma escola, um distrito, uma província/cidade e um ministério com uma figura de
referência vocacional e tão emblemática como a do professor Tajú.
Tendo abraçado esta
carreira, como professor de Desenho (agora Educação Visual), em 1976, após a
independência, numa altura de total falta de professores, o Prof. Tajú, que tem
a particularidade de estar na Escola Secundária Noroeste 2 desde 1978, tendo
resistido e escapado a todas as avalanches de transferências selectivas, tem um
perfil profissional que sai daquele quadro “normatizado” de “bom professor”
pelo simples facto de cumprir os seus deveres dentro do seu horário e depois se
manter tranquilo no seu cantinho à espera de algum reconhecimento.
As qualidades humanas e
profissionais deste professor são muitas, elevadas e inumeráveis. Quando se
premeiam os mais ou menos assíduos e pontuais, há décadas que o professor Tajú
é o madrugador que abre os portões da “Noroeste 2”; Numa altura em que se
falava de corrupção de todo o tipo nas escolas (material, sexual, etc.), o
Prof. Tajú era ameaçado e agredido verbal e fisicamente pelos corruptores de
todas as camadas interessadas, devido à sua verticalidade profissional; Na
época de escassez de qualquer material didáctico nas escolas, especialmente
para a disciplina de Desenho, o professor Tajú já tinha providenciado uma
excelente e invejável sala à custa de esforços pessoais, tornando-se uma sala
mais acolhedora que a Sala dos Professores e que os directores se serviam para
mostrar o seu desempenho directivo e nela se realizavam as reuniões de
visitantes de luxo; Numa altura em que o país experimentava a falta de roupa e
sabão, o que perdoava desmazelos visuais, os alunos do professor Tajú entravam
na sala depois de, à porta, estenderem as palmas das mãos, mostrando a limpeza
e o tratamento dado às unhas e controlava se cada camisa tinha todos os botões,
a roupa limpa e bem alinhada; Nessa altura em que a falta de material para
Desenho era desculpável, os alunos do Prof. Tajú tinham todo material essencial
na sala, a que os alunos tratavam carinhosamente e o arrumavam devidamente no
fim de cada aula; Quando agora se discute a medida ferrenha de interdição de
celulares na sala de aulas, os alunos do professor Tajú eram de uma atenção graciosa
e agradável para os próprios alunos e qualquer objecto entranho, como agora o
telefone, era/é disciplinarmente arrumado, e a indisciplina persistente era
devida e exemplarmente “castigada”, sem ter precisado e esperado de nenhuma
directiva ministerial ou superior como tal; Nessa época em que, por falta de
tecido, não se podia pensar em batas, o Prof. Tajú apresentava-se de seu
uniforme pessoal apropriado para as suas tarefas sem ter necessitado de nenhuma
ordem e ameaças; Nessa altura revolucionária em que as reuniões eram o pão de
cada dia, interrompendo-se sistematicamente as aulas para infindáveis
esclarecimentos e consciencialização política, o professor Tajú vociferava
contra aquela “perca de tempo” e “gazetava” a muitas para estar junto dos seus
alunos; Quando, nessa época como agora, não se falava, porque não se conhecia,
de exposições artísticas, o Prof. Tajú já organizava, a seu custo pessoal,
exposições dos trabalhos dos seus alunos e descobria talentos artísticos, dos
quais “abastecia” a instituição artística que hoje se designa de Escola
Nacional de Artes Visuais, que se tornou num viveiro de formação e consagração
de muitos dos artistas nacional e internacionalmente conhecidos e formou
professores de arte actuantes em várias instituições artísticas. Nessas
exposições convidava personalidades que não o promoveram porque o seu objectivo
não era de se fazer conhecido e ganhar algo; Nessa altura e especialmente
nesta, abundante em “lambe-botas” para ganhar promoções para a directoria ou
outras responsabilidades, o professor Tajú, comprometido com a sua vocação,
permaneceu vertical, rejeitando qualquer servilismo a troco de qualquer migalha
directiva e assim permaneceu até hoje em dia nos seus últimos dias activos
prestes à reforma; Numa época revolucionária, em que o ateísmo e até a
anti-religiosidade eram fomentados através da doutrina materialista
marxista-leninista, o professor Tajú permaneceu muçulmano praticante e
cumpridor desta sua religião, com todas as desvantagens e consequências que tal
posicionamento lhe podia provocar; Nessa altura, como agora, em que os
directores das escolas, por justas razões, apelavam à sobriedade ou não consumo
excessivo de bebidas alcoólicas, os lábios do Prof. Tajú nunca provaram uma
gota de álcool; Numa época em que as diversões, mesmo organizadas pela escola,
eram ou se prometiam educadamente excessivas, o professor Tajú “gazetou” às
mesmas e seguia o seu regime halal; Quando os ventos, os ventos políticos,
passaram a soprar de Roma, com o multipartidarismo, não abalaram o Prof. Tajú,
que permaneceu filiado à sua vocação de professor e não se lhe conhece nenhuma
militância político-partidária; Quando, para muitos professores que são
considerados bons, têm o seu espaço de actuação na sala de aulas, o professor Tajú,
qual zeloso director, actuava também fora deste espaço, chamando atenção a
alunos com comportamento anormal, fora da sala e da escola, o que lhe valeu
alguma animosidade/agressividade por parte dos interpelados; Quando muitos
professores fazem questão de cumprir o seu horário e obrigações e desaparecer
do espaço escolar, o Prof. Tajú, que era o primeiro a chegar e último a sair,
porque ele tinha outras actividades pessoais de benefício escolar. Uma destas
actividades era desportiva, como praticante e treinador de futebol e básquete,
sem reivindicar nenhum ganho; Quando a presença nos sábados era esforçada, o
Prof. Tajú estava sempre presente para muitas das suas actividades escolares;
Quando muitos dos seus colegas eram, por alguma prestação, nomeados dirigentes
ou para outras responsabilidades, o professor Tajú os congratulava e negava
algumas solicitações preferindo a sala de aulas e o contacto com os alunos;
etc. FIM
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